No salto alto de Isabelle Huppert

A SINDICALISTA e UMA VIDA SEM ELE

Editorial de moda da Balenciaga

Isabelle Huppert está longe de ser uma unanimidade. Há quem a ache “chata” e quem a considere atriz de uma cara só. Os diretores europeus, porém, disputam sua agenda como a de uma pop star. Só em 2022 foram lançados cinco filmes com sua presença no elenco, seja em papel de absoluto protagonismo, como em A Sindicalista, seja numa ponta tão estapafúrdia como em EO.

Além disso, aos 70 anos, ela ainda encontra tempo para posar de modelo para Balenciaga e Adidas. Mesmo depois de ter se definido como uma atriz “sem estilo”.

Desde sua estreia em 1971, Isabelle redesenhou sua imagem da garotinha tímida e desenxabida de Um Amor tão Frágil, de Claude Goretta, para a mulher afirmativa e complexa que não se deixa abalar depois de sofrer um estupro em Elle, de Paul Verhoeven. Entre um papel e outro, foi uma parricida em Violette Nozière, de Claude Chabrol, uma esposa descontente que namora um criminoso abusivo em Loulou, de Maurice Pialat, e uma professora sexualmente reprimida e masoquista em A Professora de Piano, de Michael Haneke.

Uma coisa é certa: Isabelle não é o tipo de atriz que se transforma nos personagens, mas faz o contrário: os traz para si e os encarna com minúcias de interpretação minimalista.

O contraste entre sua expressão facial forte, com aquela boca rasgada quase de fora a fora quando sorri, e o corpo frágil se presta a personagens ambíguos, um tanto opacos, que rejeitam a identificação do espectador mas ao mesmo tempo despertam um estranho interesse. Personagens barra pesada, como se dizia em outros tempos.

Isabelle está em cartaz atualmente nos cinemas brasileiros com A Sindicalista (La Syndicaliste) e Uma Vida sem Ele (À Propos de Joan). Em papéis muito diferentes, ela reitera um tipo de persona que criou para si mesma: a mulher imune a emoções fáceis, elétrica nos gestos e reações, movendo-se sempre no topo de saltos altos que ajudam a maximizar sua baixa estatura.

A Sindicalista

No papel-título de A Sindicalista, de Jean-Paul Salomé, ela vive uma personagem real, Maureen Kearney, representante sindical na empresa de energia nuclear Areva. Em 2012, Maureen denunciou um acordo secreto de transferência de tecnologia para a China e passou a sofrer ameaças, que culminaram com um ataque no qual foi ferida no abdome e estuprada com o cabo de uma faca.

Em seguida, foi vítima de uma campanha policial, com possíveis injunções empresariais e políticas, que tentaram desacreditá-la. Foi acusada de forjar a agressão, o que o filme explora de maneira um tanto manipulativa, a fim de que o espectador também fique em dúvida.

Isabelle emprega seu mix de força e vulnerabilidade para manter a personagem numa linha permanente de tensão. Junto à trama policial e psicológica, A Sindicalista trata de solidariedade entre mulheres num contexto em que os homens são majoritariamente canalhas tóxicos.

Uma Vida sem Ele

Uma Vida sem Ele, de Laurent Larivière, traz Isabelle num papel que, embora nominalmente central, acaba sendo coadjuvante de luxo na maior parte do tempo. Boa parcela do filme se passa na juventude de Joan Verra, vivida pela atriz Freya Mavor, quando ela se uniu a um batedor de carteiras bressoniano (Éanna Hardwicke). Outro tanto é protagonizado, em flashbacks, ora por um escritor (Lars Eidinger) que ela edita e com quem namora, ora no passado por sua mãe, que trocou a família pelo Japão com seu mestre de lutas marciais. As excentricidades desses tantos personagens colocam o papel de Isabelle numa espécie de sombra, onde o talento da atriz não tem muita chance de aparecer.

O foco principal se desloca para a relação entre Joan e seu filho numa casa de campo. É onde o passado retorna com o peso de uma culpa e uma surpresa supostamente grande, mas no fundo tola, reservada para as sequências finais.

Eis um exemplo para comprovar que mesmo uma atriz excepcional não pode salvar um filme quando seus ingredientes não conversam entre si e o “achado” do roteiro não se sustenta em pé.

>> A Sindicalista e Uma Vida sem Ele estão nos cinemas.

3 comentários sobre “No salto alto de Isabelle Huppert

  1. Bem interessante. Destaco sua observação sobre a maneira singular de aproximação ao personagem:
    (….) Uma coisa é certa: Isabelle não é o tipo de atriz que se transforma nos personagens, mas faz o contrário: os traz para si e os encarna com minúcias de interpretação minimalista.
    E a observação pertinente sobre o quanto os homens, não todos, mas de forma geral, são no mínimo reticentes quanto ao abuso:
    (….)Junto à trama policial e psicológica, A Sindicalista trata de solidariedade entre mulheres num contexto em que os homens são majoritariamente canalhas tóxicos.( ….)
    Vou ver.

Deixe um comentário